[Ubuntu-BR] O Linux se rende ao mercado

Flávio Araújo flaviowdlistas em gmail.com
Quarta Abril 25 17:58:37 UTC 2007


Nascido como um sistema alternativo, o programa tornou-se fonte de receitas
para fornecedores tradicionais.

Há um adágio segundo o qual quem nunca foi comunista na juventude não tem
coração, mas quem continua comunista depois da maturidade não tem razão. O
provérbio é controverso, mas parece ser seguido à risca no setor de
software. É o que sugere a história do Linux, sistema criado no início dos
anos 90 que se diferencia por não cobrar licenças de uso e permitir que seu
código-fonte seja livremente copiado e modificado. Com essa proposta, o
Linux caiu no gosto de programadores espalhados pelos quatro cantos do
mundo. Trabalhando de forma voluntária, com o reconhecimento intelectual
como única recompensa, essa comunidade aprimora constantemente o sistema. O
apoio dessa turma é tão entusiasmado que por vezes ganha contornos
ideológicos. Alguns parecem acreditar que o programa libertará o mundo da
ganância dos fornecedores tradicionais, cuja maior imagem é a Microsoft. O
Linux seria o principal representante de uma espécie de socialismo dos bits.
Ironicamente, o crescente sucesso que o produto vem conquistando se deve
justamente à sua conversão ao mercado.

Saem os jovens programadores trajando bermudas e tênis, entram os executivos
engravatados. Alguns dos maiores e mais tradicionais fornecedores de
tecnologia, como IBM, Oracle e HP, abraçaram o Linux e gradativamente o
colocaram no centro de suas estratégias. Essas empresas estão faturando alto
com o sistema que outrora se apresentava como alternativa ao status quo do
mercado tecnológico. É verdade que o Linux nem sequer arranha a supremacia
do Windows nos computadores pessoais. Mas já é uma séria alternativa para
servidores, os grandes computadores que controlam as redes corporativas. A
consultoria IDC estima que o conjunto de produtos e serviços que gravitam ao
redor do Linux vá gerar 35 bilhões de dólares mundialmente em 2008. No
Brasil, dos 850 milhões de dólares que a venda de servidores movimentou em
2006, cerca de 12% vieram de negócios envolvendo máquinas munidas com o
sistema que tem o pingüim como símbolo. No começo da década, esse número era
apenas 2%. Um estudo da Fundação Getulio Var gas mostra que mais de 16% dos
servidores instalados nas empresas nacionais rodam Linux -- participação que
aumenta a cada ano. "Grandes fornecedoras que competem com a Microsoft em
vários mercados precisavam de uma alternativa", diz Fernando Meirelles, da
FGV. "Elas têm interesse estratégico e legítimo de apoiar o Linux."

E é exatamente o que estão fazendo. Atualmente, todos os equipamentos que a
IBM vende são adaptados para o sistema de código aberto. Além disso, mais de
700 softwares que a companhia desenvolve, desde banco de dados até programas
de e-mail, rodam sobre o sistema operacional. "O Linux tornou-se um dos
eixos centrais da atuação da IBM", diz Haroldo Hoffmann, diretor de
iniciativas estratégicas da Big Blue. A Oracle segue uma tática semelhante.
A companhia apóia o Linux desde 1998, por orientação direta de seu
executivo-chefe, Larry Ellison. "No último ano fiscal, ultrapassamos a marca
de 1 bilhão de dólares em receitas de produtos e serviços relacionados ao
Linux", diz Luiz Meisler, vice-presidente sênior da Oracle para a América
Latina.

À primeira vista, parece natural supor que a conta nunca vai fechar para
fornecedores que trabalham com um produto conhecido justamente por ser
entregue de graça. Natural -- e equivocado. O Linux é realmente oferecido
sem cobrar a tradicional licença de uso. Mas o fato é que um sistema
operacional não significa nada sozinho e representa apenas uma fração dos
custos totais de grandes projetos de tecnologia nas empresas -- que também
incluem o apoio de uma consultoria, compra de máquinas e acordos de
assistência técnica. Uma fornecedora como a IBM fatura alto com cada um
desses itens. A conta fecha -- e geralmente com muitos zeros à direita.

A comunidade do Linux também ganha com isso. Sua disseminação no ambiente
empresarial deve-se a esse apoio de grandes fornecedores. Petrobras, Casas
Bahia e Itautec -- para ficar só em casos brasileiros -- não adotaram a
tecnologia só por suas qualidades técnicas. É fundamental ter um contrato de
instalação, suporte e atualização com um prestador de serviços confiável,
que não vai desaparecer do dia para a noite. Da mesma forma, é preciso uma
ampla oferta de software e máquinas preparadas para trabalhar num ambiente
de Linux. As fornecedoras tradicionais de tecnologia garantem essas
condições. Algumas fizeram ainda mais: a Oracle, por exemplo, realizou nos
últimos anos uma migração completa dos sistemas que garantem seu próprio
funcionamento para Linux. "Somos uma vitrine do sucesso do Linux", diz
Meisler. Hoje, todos os 12 000 servidores da companhia, que emprega 75 000
pessoas, rodam o software livre. Nada mau para um programa que, em sua
juventude, pretendia ser a esquerda do mercado de tecnologia. Que diferença
fazem alguns cabelos brancos.


-- 
Flávio
http://flaviowd.wordpress.com



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